O autor Caio Sena é estudante de mestrado em Geografia pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Brasil. Graduado também em Geografia pelo Instituto de Estudos Socioambientais da UFG com intercâmbio na Katholische Universität de Eichstätt-Ingolstadt (KUEI). Confira nesta entrevista uma troca de e-mails com um músico de grande destaque, onde foi possível falar sobre temas que sempre aquecem o sangue latino brasileiro e que também têm a ver com a situação política atual no pais. Neste lugar, Quetzal publica as reflexões introdutórias de Sena e a primeira pergunta que fez ao cantor. O resto da detalhada entrevista e uma tradução ao alemão seguirão.
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Introdução: Como chegar a entrevistar a um músico conhecido no pais inteiro
Outro dia, ao abrir a caixa de e-mails como faço quase que diariamente, fui desafiado a falar sobre meu próprio país para esta revista. É evidente que estamos vivendo um momento complicado, muito complicado eu diria. Diversos portais internacionais falam de nosso momento político, isso porque, em um mundo globalizado, algo que acontece por aqui, certamente pode ter impactos em outros lugares.
Em pensamentos e reflexões antes de dormir ou no chuveiro, até pensei em fazer um apanhado geral sobre os últimos acontecimentos. Mas, me pareceu mais proveitoso abrir um diálogo sobre a cultura e política brasileira em uma entrevista com Kleber Cavalcante Gomes, conhecido como Criolo, que apesar de cantar desde os 13 anos e hoje aos 40 ser bastante reconhecido como músico, já foi educador e demonstra publicamente suas lutas por melhorias sociais e na educação, talvez inspirado por sua mãe que é professora.
O nome de Criolo parecia ideal para esse diálogo sobre América Latina porque além das mensagens críticas, afetuosas e políticas em suas letras, ele estava entre os músicos que promoveram shows em prol da causa dos estudantes em São Paulo, que são contra a mudança abrupta na gestão de suas escolas – vista como retrógrada por muitos estudiosos da educação, semelhante ao movimento que ocorre em Goiás.
Além disso, Criolo é o tipo de ser humano aberto a se reconstruir e rever conceitos, assumindo no meio desse caminho alguns erros. Um de seus últimos atos inclusive, foi alterar a letra de uma música que escreveu há 15 anos, no seu primeiro CD, o motivo apresentado pelo músico é que, no momento em que escreveu a canção “Vasilhame”, não tinha a mesma consciência de gênero que possui hoje e, por isso, acabou elaborando um material que poderia magoar a comunidade de travestis.
Na verdade, não faltam motivos que justifiquem a certeza de um diálogo qualificado e enriquecedor sobre a cultura brasileira com o músico. Porém, para que isso fosse possível, Criolo precisaria responder a um completo desconhecido por e-mail. Isso porque nunca nos encontramos e, devido a sua rotina de trabalho, um e-mail desse tipo poderia passar despercebido. Mas, para nossa alegria, as respostas estão aqui.
A elaboração das perguntas não foi tarefa fácil, pois em diálogos olho a olho, você tem condições de filtrar o astral e tom dos assuntos para fazer redirecionamentos, o que não é possível quando todas as perguntas são enviadas de uma só vez. Por esse motivo, optei por misturar estilos de questões: algumas mais abrangentes e reflexivas, outras mais diretas e óbvias e, por fim, algumas mais curtas.
Espero que os leitores da Quetzal Leipzig desculpem algumas partes que podem ter se perdido na tradução do português para o alemão e que tirem algo de proveito da leitura, como eu acredito ter tirado.
Entrevista (1ª parte): Um rapper brasileiro sobre educação, cultura, política e a forma brasileira de pertencer a América Latina
Criolo, refletindo nosso comportamento latino, parece que nossa vida e cotidiano são mais instáveis do que outros povos. Sei que a maioria dos brasileiros dorme e acorda todos os dias sem muitas certezas de vida – quanto à saúde, educação, transporte, emprego. Vi em seu site que está finalizando uma turnê na Inglaterra, entre um show e outro você conseguiu conversar e conviver com a população local? Que comparações você poderia fazer entre a realidade do povo inglês ou europeu de forma geral e os modos de vida latino?
Olá! Bom, eu acabo de chegar dessa tour e foram oito dias, seis cidades, seis apresentações. Então, assim como das outras vezes que visitei a Europa, não tive muito tempo pra confraternizar, de um modo que eu possa fazer um paralelo mais coerente entre as coisas que você descreve e questiona. As pessoas que conversam e vem falar comigo, em sua maioria, são pessoas que gostam de música e procuram nas apresentações viver outras experiências, aproveitando esses encontros que a música oferece. Muitas pessoas do Brasil vão, o que me é motivo de muito orgulho e são muitas pessoas de vários lugares do mundo, não apenas moradores da cidade ou que nasceram no país no qual acontece apresentação.
Eu acredito que temos um jeito de se reunir, de se confraternizar, de se encontrar e a música ajuda muito nisso. Pessoas trabalham, pessoas sofrem, tem momentos de felicidade, lutam e se confraternizam. O que tem de especial na música, é que ela consegue acolher todas as pessoas, muitas realidade se encontram e muitas distâncias diminuem, é muito importante, mesmo que por um momento, mesmo que apenas dentro deste ambiente, mas isso é muito mágicos e isso não é pouca coisa. Acredito que nós latinos temos um jeito muito caloroso, muito bonito e muito especial. Nós não temos vergonha do abraço, nós nos sentimos bem em expressar de modo as vezes mais acentuado nossas ideias, sentimentos e afetos. Isso digo de um tanto que já recebi. E vejo também, dessa nova geração global, uma busca por essa nova forma de conexão mais terna e mais pulsante, essa nova geração global tem dado muito valor aos encontros, muito mais valor a esta afetividade e muito mais valor a este emocional, que nos faz lembrar de toda beleza capaz, forte e bela que se guarda em um sorriso.
Óbvio que é gritante o abismo social e econômico, e que cresce cada vez mais em nosso planeta e isso também tem seus desdobramentos, reverberações e consequências. Vemos assim tantos povos de beleza, cultura e pluralidade vivendo as margens do mundo e isolados de modo cruel da possibilidade de viver em prosperidade por conta de um antigo pensamento socioeconômico e político, que reforça cada vez mais essa distância, reforça cada vez mais o quão fundo é esse abismo que nos separa. É um modo antigo de se pensar, e que começa a receber confrontos de jovens de todo mundo que se preocupam com o bem-estar do planeta, com o bem-estar de todo ser vivo que aqui se encontra, jovens que buscam um mundo mais sereno e menos desigual, jovens que doam suas vidas, sua energia e seu amor a esta luta desigual por igualdade.
Diferenças são muitas e as marcas da história permanecem vivas e ainda vão além da mágoa que sentimos por tantos erros cometidos no passado, quem desbravou o mundo do modo como o fez e o porquê de seus motivos, mas elas vão além dessa dor por vezes contida ou escancarada, ele mexe no modo de como um enxerga o outro nesta pirâmide social, que se tornou o mundo em que vivemos. Machismo, racismo, xenofobia, homofobia e tantas outras intolerâncias e irracionalidades são um tanto deste legado deixado por um jeito conturbado, estranho e errado de se conduzir o que quer que seja, creio que não estavam preocupados em construir um mundo, mas sim, construir poder. Então quando é este o objetivo, fica claro que se o poder está em jogo, o planeta, as nações, as pessoas e seus pensamentos em sua beleza plural, nossa fauna, flora e toda nossa linda biodiversidade jamais serão prioridade.
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