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Sangue latino: um diálogo com o rapper e cantor brasileiro Criolo

Caio Sena Alencar de Sena | | Artikel drucken
Lesedauer: 13 Minuten

O autor Caio Sena é estudante de mestrado em Geografia pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Brasil. Graduado também em Geografia pelo Instituto de Estudos Socioambientais da UFG com intercâmbio na Katholische Universität de Eichstätt-Ingolstadt (KUEI). Confira nesta entrevista uma troca de e-mails com um músico de grande destaque, onde foi possível falar sobre temas que sempre aquecem o sangue latino brasileiro e que também têm a ver com a situação política atual no pais. Neste lugar, Quetzal publica as reflexões introdutórias de Sena e a primeira pergunta que fez ao cantor. O resto da detalhada entrevista e uma tradução ao alemão seguirão.


Introdução: Como chegar a entrevistar a um músico conhecido no pais inteiro

Brasilien: Caio Sena - Foto: Quetzal-Redaktion, csOutro dia, ao abrir a caixa de e-mails como faço quase que diariamente, fui desafiado a falar sobre meu próprio país para esta revista. É evidente que estamos vivendo um momento complicado, muito complicado eu diria. Diversos portais internacionais falam de nosso momento político, isso porque, em um mundo globalizado, algo que acontece por aqui, certamente pode ter impactos em outros lugares.

Em pensamentos e reflexões antes de dormir ou no chuveiro, até pensei em fazer um apanhado geral sobre os últimos acontecimentos. Mas, me pareceu mais proveitoso abrir um diálogo sobre a cultura e política brasileira em uma entrevista com Kleber Cavalcante Gomes, conhecido como Criolo, que apesar de cantar desde os 13 anos e hoje aos 40 ser bastante reconhecido como músico, já foi educador e demonstra publicamente suas lutas por melhorias sociais e na educação, talvez inspirado por sua mãe que é professora.

O nome de Criolo parecia ideal para esse diálogo sobre América Latina porque além das mensagens críticas, afetuosas e políticas em suas letras, ele estava entre os músicos que promoveram shows em prol da causa dos estudantes em São Paulo, que são contra a mudança abrupta na gestão de suas escolas – vista como retrógrada por muitos estudiosos da educação, semelhante ao movimento que ocorre em Goiás.

Além disso, Criolo é o tipo de ser humano aberto a se reconstruir e rever conceitos, assumindo no meio desse caminho alguns erros. Um de seus últimos atos inclusive, foi alterar a letra de uma música que escreveu há 15 anos, no seu primeiro CD, o motivo apresentado pelo músico é que, no momento em que escreveu a canção “Vasilhame”, não tinha a mesma consciência de gênero que possui hoje e, por isso, acabou elaborando um material que poderia magoar a comunidade de travestis.

Na verdade, não faltam motivos que justifiquem a certeza de um diálogo qualificado e enriquecedor sobre a cultura brasileira com o músico. Porém, para que isso fosse possível, Criolo precisaria responder a um completo desconhecido por e-mail. Isso porque nunca nos encontramos e, devido a sua rotina de trabalho, um e-mail desse tipo poderia passar despercebido. Mas, para nossa alegria, as respostas estão aqui.

A elaboração das perguntas não foi tarefa fácil, pois em diálogos olho a olho, você tem condições de filtrar o astral e tom dos assuntos para fazer redirecionamentos, o que não é possível quando todas as perguntas são enviadas de uma só vez. Por esse motivo, optei por misturar estilos de questões: algumas mais abrangentes e reflexivas, outras mais diretas e óbvias e, por fim, algumas mais curtas.

Espero que os leitores da Quetzal Leipzig desculpem algumas partes que podem ter se perdido na tradução do português para o alemão e que tirem algo de proveito da leitura, como eu acredito ter tirado.

Entrevista (1ª parte): Um rapper brasileiro sobre educação, cultura, política e a forma brasileira de pertencer a América Latina Criolo, refletindo nosso comportamento latino, parece que nossa vida e cotidiano são mais instáveis do que outros povos. Sei que a maioria dos brasileiros dorme e acorda todos os dias sem muitas certezas de vida – quanto à saúde, educação, transporte, emprego. Vi em seu site que está finalizando uma turnê na Inglaterra, entre um show e outro você conseguiu conversar e conviver com a população local? Que comparações você poderia fazer entre a realidade do povo inglês ou europeu de forma geral e os modos de vida latino?

Olá! Bom, eu acabo de chegar dessa tour e foram oito dias, seis cidades, seis apresentações. Então, assim como das outras vezes que visitei a Europa, não tive muito tempo pra confraternizar, de um modo que eu possa fazer um paralelo mais coerente entre as coisas que você descreve e questiona. As pessoas que conversam e vem falar comigo, em sua maioria, são pessoas que gostam de música e procuram nas apresentações viver outras experiências, aproveitando esses encontros que a música oferece. Muitas pessoas do Brasil vão, o que me é motivo de muito orgulho e são muitas pessoas de vários lugares do mundo, não apenas moradores da cidade ou que nasceram no país no qual acontece apresentação.

Eu acredito que temos um jeito de se reunir, de se confraternizar, de se encontrar e a música ajuda muito nisso. Pessoas trabalham, pessoas sofrem, tem momentos de felicidade, lutam e se confraternizam. O que tem de especial na música, é que ela consegue acolher todas as pessoas, muitas realidade se encontram e muitas distâncias diminuem, é muito importante, mesmo que por um momento, mesmo que apenas dentro deste ambiente, mas isso é muito mágicos e isso não é pouca coisa. Acredito que nós latinos temos um jeito muito caloroso, muito bonito e muito especial. Nós não temos vergonha do abraço, nós nos sentimos bem em expressar de modo as vezes mais acentuado nossas ideias, sentimentos e afetos. Isso digo de um tanto que já recebi.

E vejo também, dessa nova geração global, uma busca por essa nova forma de conexão mais terna e mais pulsante, essa nova geração global tem dado muito valor aos encontros, muito mais valor a esta afetividade e muito mais valor a este emocional, que nos faz lembrar de toda beleza capaz, forte e bela que se guarda em um sorriso.

Óbvio que é gritante o abismo social e econômico, e que cresce cada vez mais em nosso planeta e isso também tem seus desdobramentos, reverberações e consequências. Vemos assim tantos povos de beleza, cultura e pluralidade vivendo as margens do mundo e isolados de modo cruel da possibilidade de viver em prosperidade por conta de um antigo pensamento socioeconômico e político, que reforça cada vez mais essa distância, reforça cada vez mais o quão fundo é esse abismo que nos separa. É um modo antigo de se pensar, e que começa a receber confrontos de jovens de todo mundo que se preocupam com o bem-estar do planeta, com o bem-estar de todo ser vivo que aqui se encontra, jovens que buscam um mundo mais sereno e menos desigual, jovens que doam suas vidas, sua energia e seu amor a esta luta desigual por igualdade.

Diferenças são muitas e as marcas da história permanecem vivas e ainda vão além da mágoa que sentimos por tantos erros cometidos no passado, quem desbravou o mundo do modo como o fez e o porquê de seus motivos, mas elas vão além dessa dor por vezes contida ou escancarada, ele mexe no modo de como um enxerga o outro nesta pirâmide social, que se tornou o mundo em que vivemos. Machismo, racismo, xenofobia, homofobia e tantas outras intolerâncias e irracionalidades são um tanto deste legado deixado por um jeito conturbado, estranho e errado de se conduzir o que quer que seja, creio que não estavam preocupados em construir um mundo, mas sim, construir poder. Então quando é este o objetivo, fica claro que se o poder está em jogo, o planeta, as nações, as pessoas e seus pensamentos em sua beleza plural, nossa fauna, flora e toda nossa linda biodiversidade jamais serão prioridade.

Sangue latino: um diálogo com Criolo sobre educação, cultura, política e a forma brasileira de pertencer a América Latina (2)

2) “Não tem problema nenhum você ter cinco refeições por dia ou seis. O grande problema é a maior parte do nosso povo não ter uma refeição por dia. E ainda se sentir culpado por isso”. Achei bastante marcante essa frase que você disse em uma entrevista pra o Canal Brasil. O que você acha que separa os brasileiros dessa possibilidade de se alimentar bem, de melhorar suas qualidades de vida e de habitação (como citou em outro trecho)?

Brasilien: Rapper Criolo (mitte) mit Kollegen - Foto: PerfexxEu cresci numa favela. Já vi gente morrer, gente de mente fechada e gente de mente aberta, já visitei barraco com bebê recém-nascido e o morro todo parecia que dava um sorriso, entre um e outro abraço de felicidade a esperança entrava em conflito com um talvez futuro impossível. Como responder ao senhor a uma pergunta tão óbvia pra nós? Como ser delicado, suave e contundente a quem jamais imaginou sentiu ou acreditou que existe esta outra realidade? No sofrimento nos tornamos fortes. Mas creia que nossas almas já nasceram fortes e que, por vezes, esta falace pra também amenizar nossa vida tão sofrida. Quem quer nascer na guerra? Quem quer ver um amigo de infância assassinado simplesmente por morar num bairro pobre e isto já ser o álibi do Estado? Quem quer ver um pai ser detido simplesmente pela cor de sua pele? Ou ver uma mãe na década de 90 ser jurada de morte por simplesmente acreditar no seres humanos de seu bairro?

Trago então, ao amigo, algumas questões antigas que não vi em livro ou tese a ser defendida, mas que vivi e vivo num país de tanto potencial e beleza, mas que se encontra numa guerra quente conduzido por almas frias. Aqui dentro sofremos as nossas consequências do que também nos oferece os outros hemisférios com seus pensamentos e interesses que afetam diretamente a economia dos países mais frágeis e como um massacre silêncio o que ocorre nessa outra esfera de poderes na estratosfera dos intocáveis quase que inciseis donos do mundo. Enquanto um ser humano vivo na terra se achar mais que o outro, vamos viver todas as consequências que está soberba nos oferece.

3) Você acha que realmente existe o tão falado “jeitinho brasileiro”? Se sim, entende essa característica como um elemento positivo ou negativo da identidade nacional? O dito “improviso do povo brasileiro” é uma forma de se construir um mundo melhor, mais criativo e afetuoso – como uma mãe que improvisa pertences e mobilhas de seu lar para abrigar melhor seus filhos; ou tem visto esse “jeitinho” escancarando nossa fragilidade ética e sendo incorporado pela população como uma forma colocar o Brasil numa situação onde “tudo é permitido” ou onde “se dá um jeitinho para tudo”?

Sr. tem uns que corre pelo certo e tem uns que corre pelo errado. Agora os motivos e o que cria estes motivos, podem descrever um tanto de muito mais coisas que se encontram por de trás de um jargão, que parece em alguns casos apenas normalizar questões que mereceriam um tanto mais de visibilidade e atenção.

4) Você defende que a arte nos lembra que ainda somos seres vivos. Como você explica a cultura brasileira? Do que o Brasil é feito? Que movimentos ou representações artísticas fez parte de sua formação enquanto ser humano?

Brasilien: Rapper Criolo (mitte) mit Kollegen - Foto: PerfexxO senhor quer que eu explique a cultura brasileira? Que honra alguém achar que eu seria capaz de tal façanha e que bom pra mim não o ser. Posso falar do pouco que vivi e vivo. Acredito que muito que a arte nos oferece é um tanto de quem a constrói e construiu. Somos um tanto África e, digo isso com sorriso nos lábios, somos um tanto índios os verdadeiros donos dessa terra, somos um tanto do mundo. Eu cresci com meus país num barraco em que ouvimos música de todo o Brasil, pois essa música vinha dos outros barracos. E assim como a visita do Hip Hop em minha adolescência, aprendi sobre a música do mundo, sobre a luta dos povos com meus pais e irmãos e sobre a importância do ser. Arte não sei, arte eu sinto.

Senhores donos das leis, senhores que cuidam na nação. Precisamos de modo urgente salvar o pouco que nos resta desta história viva e que está sendo massacrada por guerra de poder. Por favor parem com o MASSACRE que ocorre neste momento aos POVOS INDÍGENAS do BRASIL. Parem com os massacres sociais que não são vistos ou comentados, por ser de modo silencioso, parem de tratar o povo como apenas número, apelo ao bom senso a solidariedade e a justiça que existe em cada um, se perdermos a esperança em nossa espécie tudo vai se encaminhar para um caos sem fim.

5) Achei interessantíssimo seu apoio ao movimento de ocupação das escolas públicas em São Paulo. Em minha cidade (Goiânia), também aconteceram ocupações e resistências, porque está em curso um movimento de se passar a escola pública para a administração por “Organizações Sociais”, o que seria, longe de eufemismos, um passo para a privatização e a alteração abrupta na forma da contratação de professores (as). Como você imagina o cenário da educação brasileira para os próximos anos? Você entende suas músicas e posicionamentos políticos inclusos em uma das formas de se educar?

“Sucatear a educação da criança de hoje para manipular o adulto de amanhã” acho que é este o slogan silencioso e invisível das pessoas que tratam arte, educação e cultura como algo menor em nossa sociedade. O rap do Brasil sempre chamou a atenção da sociedade para as desigualdades cruéis de nosso mundo.

6) Você fala que no Grajaú, seu local de origem, as pessoas são afetuosas e se preocupam com o outro sem esperar retribuições. Como você vê atualmente a sensibilidade nas pessoas ao seu redor?

Esta frase descreve que nos lugares que alguns acham que não se tem amor eu recebi todo o carinho do mundo. Cresci num ambiente hostil, mas com pessoas muito amorosas e isso pra mim é a marca de que cada vez mais as pessoas dão sim muito mais espaço para o amor em suas vidas.

7) Como você explica o momento político que o Brasil vive?

Vejo jovens lutando por um país melhor.

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Die Deutsche Version des Interviews finden Sie hier

Bildquelle: [1] Quetzal-Redaktion, cs; [2][3] Perfexx_

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